segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

A PEQUENA CENTENÁRIA NOTÁVEL

CARMEN MIRANDA
Arquivo Nirez




É difícil imaginarmos um ícone que se mantém sempre atual completar 100 anos.

Isso acontecerá nessa segunda feira dia 9 de fevereiro quando se comemora o centenário de nascimento da cantora Carmen Miranda.

A imagem da artista se renova a cada geração, mantendo sua originalidade e contemporaneidade, símbolos de uma vanguarda que, mesmo depois de mais de cinco décadas de sua morte, se mantém inalterada.

Ao iniciar sua carreira artística em 1929, tendo como padrinho o compositor e violonista baiano Josué de Barros, Carmen lançou um disco pela gravadora Brunswick, recém inaugurada no Brasil. Meses depois, iria para a também novata Victor, onde em seus primeiros discos já apresentava um estilo diferente de interpretação.



Carmen Miranda, 1930
Arquivo Nirez



Nessa época, a grande figura das telas de cinema e representante da mocinha moderna era a atriz americana Clara Bow, conhecida como A Garota do It (The It Girl). Esse “It” era o diferencial que tornava uma mulher especial em relação às outras: o carisma envolto em uma contagiante vitalidade. Logo, Carmen passou a ser A Garota com o It na Voz, para depois, ser batizada pelo locutor César Ladeira de Pequena Notável, devido a sua estatura de 1, 52 cm. Outros adjetivos como A Embaixatriz do Samba, e Brazilian Bombshell (já nos EUA), seriam associados a ela.
 
Com o sucesso extraordinário da marcha Pra você gostar de mim (Tai), seu terceiro disco, da autoria do médico Joubert de Carvalho, a artista ficou conhecida nacionalmente, passando a ser o carro chefe da gravadora. Daí para novos sucessos em discos, no rádio, no cinema e em cassinos foi rápido. A cantora que começou a carreira imitando a grande estrela do teatro de revista Aracy Côrtes, agora, teria suas próprias imitadoras. Lançaria moda pelo país e chegaria a ter o maior salário pago a um artista de rádio, ainda por cima uma sambista, o que gerou várias críticas.

Vários compositores de renome faziam questão que suas composições fossem gravadas por ela: Assis Valente, Ary Barroso, Lamartine Babo, Custódio Mesquita, João de Barro, só para citar alguns.



CARMEN MIRANDA
Arquivo Nirez



Seu prestígio se espalhava pelo Brasil através dos discos, rádio e de excursões, como a que fez no início da década de 30 ao Nordeste, se estendendo ao exterior em suas várias tournées pela Argentina, onde ao lado de sua inseparável irmã, a cantora Aurora Miranda, era querida e respeitada.

Inusitada foi sua participação, ao lado de Pixinguinha, na composição Os home implica comigo, um samba de 1930. Ao que consta ela foi umas das poucas mulheres a compor com o autor de Carinhoso em peça gravada.

No ano de 1939 lança, no filme Banana da Terra, o samba jongo do novato compositor baiano Dorival Caymmi O que é que a baiana tem?, passando a apresentar o número no Cassino da Urca, onde era a atração principal. Vestida de forma estilizada com os trajes de baiana, Carmen chamou a atenção do empresário americano Lee Schubert, que a levou para uma bem sucedida temporada na Broadway. A partir daí ela ganhou Hollywood e o mundo, divulgando de forma definitiva a fantasia de baiana, que já era usada por nossas atrizes 50 anos antes dela (inclusive no exterior).

Sua fama e a imagem da mulher extrovertida com frutas na cabeça passaram a se confundir com o Brasil. Após seu sucesso nos EUA e com a Segunda Guerra Mundial, seus filmes passaram a ser um meio útil para promover a Política da Boa Vizinhança. Segundo o escritor Ruy Castro, ao contrário do que algumas pessoas pensam, Carmen “estourou” nos EUA antes de Franklin Roosvelt implantar uma aliança com os países da América Central e do Sul.

Com os musicais em technicolor, chegou a ser a atriz mais bem paga de Hollywood, onde morava com sua mãe, a portuguesa Maria Emília, sua irmã Aurora e seu cunhado Gabriel Richaid.



AURORA MIRANDA E CARMEN MIRANDA
Arquivo Nirez



O “espírito família” sempre foi uma marca da cantora. Sempre rodeada por amigos e familiares, quer no Brasil ou em sua casa na Califórnia que, para muitos, era uma espécie de embaixada brasileira informal.
Essa simplicidade era notada no meio artístico. A cantora Jesy Barbosa destacou em entrevista ao pesquisador Abel Cardoso Jr o seu espírito de amizade. As duas estavam disputando o título de Rainha da Canção Brasileira de 1930 e, vendo que Jesy apresentava maior votação, Carmen passou a torcer pela vitória da colega.

Outro caso famoso é o que envolve o cantor Carlos Galhardo. Quando um executivo americano, presidente regional da gravadora Victor, foi visitar os estúdios brasileiros Carmen foi convidada a cantar para o “patrão”. No meio da apresentação o jovem Galhardo, em início de carreira, entra no estúdio, causando a ira do executivo que, por meio de palavrões, o expulsa. Carmen, que já veterana e o principal nome da gravadora, em solidariedade a seu colega dirige os mesmos palavrões ao agressor, afirmando: “Eu sou brasileira, ele é brasileiro e o senhor tem que nos respeitar!” (ela, na verdade, era portuguesa, mas considerava-se brasileira). E assim encerrou a audição para o executivo...

Carmen Miranda foi, sem dúvida, a cantora que mais se destacou no Brasil durante a década de 30. Seu estilo criava uma cumplicidade com o público, que a ouvia repetidas vezes nos discos ou acompanhavam suas apresentações. Quando iniciou a carreira, surpreendeu pela forma espontânea de cantar e o rompimento com o estilo lírico, predominante até então entre as cantoras. 

É interessante lembrar que um ano antes de Carmen, a cantora, pesquisadora de folclore e violonista pernambucana Stefana de Macedo já cantava em discos com um tom de voz não tão lírico. A forma impostada se dava pela ausência de microfones nos teatros e pelo processo de gravação ser mecânico até 1926. Coube à Aracy Côrtes, então o grande nome no cenário artístico, a adaptar o canto lírico para interpretar músicas populares, mantendo seus belos e famosos agudos.




CARMEN MIRANDA, 1930
Arquivo Nirez



O estilo de Aracy seria imitado por Carmen quando ainda fazia audições amadoras em festas beneficentes, porém, com a carreira consolidada adquiriu seu próprio, cabendo à Odete Amaral e Dalva de Oliveira seguirem a escola de Aracy.
 
Há um esquecimento em nosso país da cultura e dos artistas do passado. Mesmo com o esforço e a iniciativa de pessoas que tentam resgatar o que foi feito há várias décadas, ainda temos muitos nomes no ostracismo. Algumas dessas cantoras também completariam 100 anos em 2009, como Elisinha Coelho (A primeira intérprete de No Rancho Fundo - 01/03), Olga Praguer Coelho (Pesquisadora de folclore e violonista de fama mundial que faleceu em 2008 meses antes de completar 99 anos – 12/08) e Laura Suarez (Atriz, cantora e compositora, eleita Miss Ipanema em 1929 – 23/11).
 
Artistas que tiveram grande destaque e que foram vencidos pelo tempo, não por falta de talento e sim vítimas de nossa pouca memória. Carmen Miranda é um mito que sobrevive e sobreviverá por várias gerações. Porém, o mérito de sua imagem ter chegado até nós, décadas após sua morte, se deve a quem? Ao Brasil ou aos EUA? Afinal, a imagem que se perpetua a cada geração é a que foi propagada largamente de Hollywood para o mundo. Sabemos quem é a Carmen Miranda que cantava com frutas na cabeça em um inglês engraçado, mas, será que conhecemos bem a Carmen Miranda intérprete de sambas como Triste Sambista ou Veneno pra Dois?

Assim como as novas gerações foram redescobrindo e admirando o talento de Aracy de Almeida, Dalva de Oliveira e Clementina de Jesus ficariam surpresos com a descoberta da Carmen Miranda brasileira, a intérprete de marchas e sambista de alta qualidade. As novas gerações perceberão que essa cantora centenária continua em forma e atual.




Por Causa de Você
Samba de André Filho. Gravado em 14 de Abril de 1932. Disco lançado em Junho de 1932.
Carmen é acompanhada pelo Grupo do Canhoto, sob a direção de João Martins.
Disco Victor nº33.555-B, Matriz 65.456-1.













Agradecimento ao Arquivo Nirez.










3 comentários:

  1. Parabéns pelo artigo, Marcelo!
    Tenho certeza de que minha xará, esteja onde estiver, sentiu-se honrada com sua homenagem...
    Um beijo,
    Carmem Toledo

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  2. São poucas as pessoas que se interessam em homenagear icones tão ilustres. Parabens Marcelo pela iniciativa, e pelo conhecimento sobre Carmem Miranda.

    Um grande abraço,
    Júnior Mavignier.

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  3. Lindo artigo... trabalho louvavel o seu!!! Parabens!!!

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